Você se Lembra?

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domingo, 3 de março de 2013

Os Catraieiros de Santarém


Não se pode precisar a data em que os catraieiros começaram a operar no porto de Santarém, mas se pode afirmar que seu aparecimento foi determinado pela necessidade de fazer o tráfego dos navios para terra e vice-vera. Foi, pois, em uma época em que os navios de grande calado começaram a aportar em Santarém, não sendo mais possível chegarem até a beira da praia para lança sua prancha facilitando a comunicação entre terra e navio, como até então os barcos faziam.

Sua denominação proveio do tipo de embarcação que utilizavam. Uma canoa de vinte palmos de comprimento com capacidade para setecentos quilos e com lotação para doze passageiros. Geralmente essas canoas eram fabricadas no rio Arapiuns e sofriam uma adaptação, com colocação de bancos laterais na popa, soalho e eram movidas por duas longas faias colocadas na proa, seguras por forquetas presas em almofadas laterais da canoa. Eram bem cuidadas, limpas e ofereciam conforto e segurança para seus usuários. Todas estavam identificadas por nomes: "Flor de Maio", "Santa Maria", "Zazá", "Gaivota", "Paysandu", "Angelita" e outros nomes que se perderam n esquecimento. Não eram numerosas. No máximo umas vinte catraias para esse serviço.


Fotografia tirada em frente a Praça da Matriz, 1948.
O catraieiro era o proprietário e o tripulante. Trabalhava sozinho, mas quando tinha muito serviço sempre conseguia um ajudante. Isto acontecia quando no porto fundeavam um, dois ou mais navios, o que era comum naquele tempo. Aportavam navios do Lóide Brasileiro, da Amazon, particulares e estrangeiros, predominantemente ingleses.

O catraieiro fisicamente era o tipo comum do nosso caboclo. Bem forte, dispondo de força física capaz de manejar com facilidade os enormes “baús” e as grandes malas comumente usadas pelos passageiros. Eram pessoas bem relacionadas e identificadas algumas pelo renome, outras pela alcunhas: Alonso, Nilo, Fausto, Galo, Pascoal, João Cantídio, Maia, Jango e entre eles, o pequeno Bene, um descendente de norte-americano da antiga colônia aqui estabelecida no século passado. Bene, fisicamente destoava dos demais. Era um ser pequeno, vermelho, alourado e era protestante.

O catraieiro tinha seus “fregueses”, os senhores da terra que constantemente viajavam para Belém para tratar de negócios ou da saúde, ou os caixeiros-viajantes das grandes casas aviadoras de Belém que periodicamente chegavam a Santarém, trazendo seus numerosos ‘’baús’’ sortidos com mostras de mercadorias para expor a venda ao comércio local. É interessante lembrar que o pequeno Bene, o catraieiro protestante tinha as preferências do bispo Dom Amando.


Fotografia tirada pelo escritor Mário de Andrade, 1927.
Eles gozavam de absoluta confiança dos seus fregueses. Nunca se soube de um desvio proposital de bagagens, de um arrombamento, de um roubo em que um dos catraieiros fosse envolvido. Cuidavam com muita dedicação dos objetos que lhes eram entregues para o embarque ou desembarque. Estavam sempre muito bem atualizados, com o movimento dos navios em transito pelo porto de Santarém. Contavam com a colaboração dos telegrafistas da Amazon Thelegrafic que lhes davam informação das posições dos navio, que passavam pelos portos de Prainha, na subida e no de Óbidos na descida do rio Amazonas. Tinham tempo integral para se dedicarem a longa espera dos navios, de dia ou de noite. Os passageiros ficavam despreocupados, entregues aos seus cuidados para serem chamados a qualquer hora da noite quando o navio se aproximava de Santarém. Tinham uma visão capaz de identificar uma longa fumaça lá pelas bandas do Urubuquaquá ou um ponto luminoso que se movia dentro da noite. Nas noites escuras, mesmo nas noites chuvosas, quando tinham de fazer o embarque de alguém, perambulavam pelas ruas desertas da cidade conduzidos pela luz pálida de um farol na mão, em busca de passageiros.

O que ganhavam correspondia as suas mais urgentes necessidades. Segundo depoimento de um velho catraieiro, chegavam mesmo a conseguir montar um pequeno guarda-roupa onde dispunham de um terno de casemira para ir ao largo da festa da Conceição, ou nas noites de domingo ao cinema. Mas, as vezes, o trajar do catraieiro dava bronca...

De Alenquer chegou uma cabrocha capaz de fazer marinheiro perder navio. Chamava-se Mariazinha.Um desses catraieiros que gostava de usar seu terno de casemira nas noites domingueiras despertou o amor de Mariazinha que já tinha despertado o interesse de um figurão ou para ser méis preciso, de um "coronel" de muito prestigio. Mas, Mariazinha repudiou as propostas do coronel e ficou com o catraieiro. Ferido no seu orgulho e na sua vaidade pelo desprezo da alenquerense, o "coronel" resolve montar uma trama, fazendo o delegado de polícia prender o catraieiro para averiguações... A classe que não era numerosa, mas, muito unida, contrata um advogado para acompanhar o caso e sendo o bacharel amigo de farra da delegado, toma conhecimento de que tudo não passava de encenação para ver se o "coronel" tomava a Mariazinha do catraieiro... Mas o pior é que o coronel, além do catraieiro, teve como concorrentes o advogado e o delegado na conquista da cabrocha alenquerense...

Os tempos foram andando. Os navios para facilitar o desembarque de carga foram procurando atracar no trapiche que também foi se ampliando para atender a demanda. E assim as catraias foram desaparecendo e com elas uma classe – os catraieiros, que tanto serviços prestaram ao porto de Santarém.

Texto: João Santos


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